Principal ícone do cooperativismo brasileiro, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues acredita na força da doutrina cooperativista como motor capaz de reerguer a economia mundial no pós-pandemia. Em entrevista exclusiva à BR Cooperativo, Rodrigues analisa como será o o novo normal para o cooperativismo e as instituições que nele apostam suas fichas.
BRC – Qual a posição do cooperativismo no novo cenário econômico mundial, em meio à pandemia do coronavírus?
Entre acadêmicos da história da economia, o cooperativismo iria desaparecer, porque houve a queda do muro de Berlim e o cooperativismo era considerado como a terceira via para o desenvolvimento, entre o capitalismo e o socialismo. Eu sempre dizia que o cooperativismo era como um rio fluindo entre duas margens, de um lado o capitalismo e do outro o socialismo. Com a queda do socialismo, com o fim da União Soviética, e essa abertura comercial que o mundo todo viveu, houve um momento sério em que os cooperativistas perderam um pouco a sua identidade, digamos assim. Somos a terceira via, e se a primeira via acabou, que era o socialismo, e a segunda via, que era o capitalismo, virou o liberalismo, o que somos agora? Então houve muitos estudos acadêmicos, achando que o cooperativismo iria acabar, porque perdeu sua métrica, digamos assim. Não aconteceu!
A crise determinada pela globalização, com a exclusão social e concentração da renda, realimentou as cooperativas, a tal ponto que convocou uma grande Assembleia centenária, em 1995, em Manchester, não só para manter os princípios, como os ratificou, como criou o sétimo princípio com a “Preocupação com a comunidade”. Com isso, as cooperativas tiveram grande impulso pós-queda do muro de Berlim, e eu dizia então que não era mais um rio fluindo em duas margens, mas uma ponte ligando outras margens. De um lado o mercado, onde as cooperativas estão inseridas, de forma competitiva, focada e eficiente, e de outro o bem-estar coletivo da humanidade traduzido pelo sétimo princípio. Acredito que ainda somos hoje essa ponte entre o mercado que não resolve tudo sozinho, e o bem-estar das comunidades.
A pandemia é uma terceira crise, gigantesca, de caráter global, como foram a revolução industrial e as consequências do fim da cortina de ferro. A pandemia afetou o implemento interino mais uma vez, e as cooperativas estão, de novo, reagindo positivamente a essa crise.
É muito claro que o cooperativismo, enquanto doutrina, enquanto empresa, reage melhor na crise. As cooperativas estão se retroalimentando entre si dentro da doutrina, para prestar serviços mais importantes para a comunidade. Recentemente tive uma reunião enorme com as lideranças cooperativistas do Paraná, em que discutimos qual é o horizonte para o cooperativismo, e acho que as cooperativas vem cumprindo cada vez mais, e vigorosamente, aquele seu aposto, porque o cooperativismo é o braço econômico da organização da sociedade, pertence ao país desenvolvido e não desenvolvido, é o grau de organização da sociedade. As cooperativas são alianças econômicas, assim como sindicatos são organizações políticas. A questão política é que nem sempre avança sobre crises dessa natureza porque está todo mundo se defendendo, de forma individual ou parcial. Com o cooperativismo não, defende todo mundo por causa dos seus princípios e valores. Então vejo o cooperativismo crescendo durante a pandemia e no pós-pandemia, crescendo para fazer seu papel de inclusão social, cada vez mais vigoroso e eficiente.
BRC – Diante desse cenário, como o senhor acredita que será o novo normal para o cooperativismo?
O cooperativismo tem diversos ramos, então vamos começar com Agricultura, o que é o novo normal para a Agricultura. Temos aí pelo menos dois temas centrais, o primeiro é a questão tecnológica, vem vindo uma onda de inovações tecnológicas, na verdade um tsunami de inovações tecnológicas, que são profundas, disruptivas e de rápida incorporação, que tem resultados muito práticos, em termos de redução de custos e portanto um resultado econômico para o produtor rural. Significa que a quantidade de novidades é tão grande que o pequeno produtor provavelmente não terá tempo sequer de saber que existem tantas coisas novas, quem dirá incorporá-las. Os grandes produtores, com suas equipes gigantescas, rapidamente se apropriarão das inovações, reduzirão custos e serão ainda mais competitivos. Isso geraria uma onda de exclusão social no campo, se os pequenos não tivessem o mesmo acesso à tecnologia. Isso significa um novo papel para o setor da agropecuária, ele não será mais apenas um supridor de insumos, um provedor de agregação de valor, um provedor de tecnologia, ele será daqui para frente um setor de inovação tecnológica, para que os pequenos não sejam eliminados do processo produtivo, na competição com aqueles que atestam a tecnologia.
As tecnologias inovadoras serão tão disruptivas que ou todo mundo tem acesso a elas, ou vai haver uma exclusão social brutal. Aí o pequeno é a vítima mais evidente desse processo todo. Cabe ao cooperativismo, novo normal, na área da agricultura, levar ao pequeno produtor o uso da tecnologia, sobretudo o ponto de vista de organização e coletividade. O que não é trivial, porque vai implicar na construção de torres de transmissão, de mecanismos mais jovens de acesso a essas tecnologias, que nem sempre pessoas da minha idade, por exemplo, ou próximo de mim, consegue acessar rapidamente. Então eu vejo nesse novo normal das cooperativas, a atração de uma juventude que já nasceu dentro da coletividade, e contando com muito mais vigor tecnológico. Então esse é o primeiro ponto, e me parece bastante central, nas cooperativas agropecuárias.
No começo do século XXI, a ONU começou a trabalhar com a questão da segurança alimentar, tivemos aquele trabalho contando que quando chegasse em 2050 seremos 9.700.000 pessoas, e até lá era preciso aumentar a produção de alimento em 60%, por que a ONU se preocupou com a segurança alimentar? Porque o papel da ONU é garantir a defesa da paz universal, e ela se deu conta de que não haveria paz enquanto houvesse fome. Portanto, garantindo comida para todo mundo, era o melhor caminho para ela ter o seu trabalho facilitado. O que obviamente era uma coisa teórica, porque com essa inovação rápida e profunda, que acontece a todo tempo, em dez anos fica minimamente teórica.
Então surgiram novos estudos mostrando que, na verdade, em dez anos a oferta mundial de alimentos precisa crescer 20%, para que não falte comida para ninguém e haja paz. É algo aparentemente trivial, mas não é, porque os EUA precisam de 10% no máximo, o Canadá 9%, a União Europeia 12%, China, Índia e Rússia, onde há grandes áreas agrícolas em potencial no terceiro mundo, alguma coisa entre 13% a 14%. Ou seja, ninguém cresce 20%, então os estudos mais recentes, inclusive do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, que é nosso parceiro mais forte, em termos agrícolas e globais, dizem que, para o mundo crescer em 20%, o Brasil tem que crescer 40%. Isso foi logo no começo do século, que trouxe aquilo que considero um grande desafio da humanidade do século XXI, que é compatibilizar a oferta de alimentos de qualidade para uma população crescente no mundo inteiro, com a preservação dos recursos naturais, essa compatibilização era feita desde a alvorada do século XXI, e a resposta trivial para isso é a tecnologia, ela resolve tudo. Só que de lá para cá, nesses 20 anos, mudou tanta coisa, e agora a pandemia deu uma nova dimensão a essa questão, porque populações do mundo inteiro se deram conta de que você pode ficar sem comprar sapato, automóvel, televisão, mas não pode ficar sem comprar comida. A ONU falou sobre isso há 20 anos, e isso se transformou num tema mais relevante ainda sob a pressão da pandemia, países ficaram sem comida. Países que dependiam de turismo unicamente ficaram sem comida. As coisas ganharam uma nova dimensão, a agricultura ganhou um novo nível de respeitabilidade entre as coletividades urbanas.
Ninguém dava muita bola para a agricultura, porque tinha comida disponível, isso não era um problema, agora voltou a ser um problema, voltou a ser uma espada na cabeça, então isso de um lado levanta o prestígio da agricultura diante da opinião pública em geral de caráter urbano, e de outro lado faz com que governos passam a tomar novas medidas, que as pessoas chamam de neoprotecionismo mas eu chamo de precaucionismo, como na Europa em que o tema é segurança alimentar, não é potência de agricultura, é garantir comida para a população urbana que é obviamente majoritária em todos os países europeus, porque a falta de comida derruba um governo, a alimentação farta para todo mundo é paz social e é tranquilidade política, então os governos vão voltar a fazer mecanismos de proteção ao agricultores rurais, tendo em vista comida para a população urbana. No pós-guerra, a PAC foi centrada para o agricultor? Não! Foi centrado para dar ao agricultor uma segurança para produzir e alimentar o povo, que era politicamente fundamental como eles pensavam. Esse conceito que eu acho que falta em países em desenvolvimento, que é o nosso caso, por exemplo, a relação urbana e rural, que é uma relação muito íntima, muito estreita, que não tem sido considerada de maneira adequada.
Alguns países começam a fazer pressão para não exportar excedente, primeiro porque falta no futuro. Outros países estão começando a pensar de novo no processo de impedir importações, então não é bem neoprotecionismo, é o princípio da precaução. Essa nova visão da agricultura muda esse conceito, e considero que a pandemia consolidou aquele desafio do século, que era compatibilizar as coisas em duas grandes portas para as cooperativas. Uma é a segurança alimentar e outra a sustentabilidade (meio ambiente). Então na agricultura, ela tem que iniciar um procedimento muito mais rigoroso na defesa da sustentabilidade, na questão ambiental, porque a juventude do mundo inteiro decidiu apoiar o meio ambiente, não sabem muito bem o que é, mas essa juventude, que viverá mais 40, 50 anos no poder vai fazer com que esse o meio ambiente vire um tema central no mundo, acoplado à segurança alimentar.
Para o produtor de maneira geral, não basta ser, tem que mostrar que é sustentável, então defendo que as cooperativas precisam ter um papel nisso. O primeiro problema é trazer a tecnologia disruptiva da coletividade, da digitalização, das novas máquinas operando sem tratoristas, tudo pelo escritório via satélite. Também tem que criar mecanismos de redução da monocultura e criar diversificação de atividades, para dar uma visão mais sustentável ao processo produtivo, e agregar valor à produção. Dessa forma, para que os mercados potenciais que existem no mundo todo não se fechem para nós, sob o argumento do precauciononismo. Cooperativas agropecuárias têm duas grandes questões: tecnologia, para que todo mundo acesse nas mesmas condições, e sustentabilidade, com todos os parênteses que pode ter como agregação de valor, redução de fertilizantes químicos, com todo processo de mudança, de caráter tecnológico, mas também de gestão.
Nas cooperativas de saúde, obviamente a pandemia mostrou que as regras sanitárias eram frágeis no mundo inteiro. A própria OMS foi incapaz de prever a pandemia e até hoje não entendeu direito. Há um desconhecimento profundo dessa doença, gerando uma crônica da morte anunciada. Imagino que a régua da fidelidade vai subir muito no novo mundo que vem vindo aí, e acredito que para as cooperativas de saúde esse é um tema central. Vejo um desafio muito maior para as cooperativas de saúde, sejam elas de qualquer país ou nível, precisam ter uma preocupação com a régua da fidelidade, para se firmarem como elementos de confiança para as populações da sociedade, inclusive a não cooperada, considerando o sétimo princípio (preocupação com a comunidade).
Nas cooperativas de crédito, estamos observando o processo que o Brasil vive hoje de inovação da tecnologia, criando novas moedas, bitcoins, e até um certo medo no sistema financeiro privado e público brasileiro. Na verdade, o Brasil, nessa questão financeira, é uma jabuticaba global pouco inteligível. Você vê nos EUA e na Europa, em qualquer país do mundo, existem centenas de bancos, não é igual aqui com meia dúzia de instituições. Mas isso vai sofrer uma mudança muito grande, e a essa mudança caberá o papel absolutamente fundamental para as cooperativas de crédito, que vão aproveitar as regras que já existem, que criamos como filiação para cartão de crédito.
Para a gente cumprir essa estratégia de crescer 40% em dez anos, precisamos de uma estratégia econômica para o campo. Então defendo a proposta de um quadrilátero para o campo, na linha de apoio econômico à agricultura brasileira, via cooperativa.
A primeira questão seria o seguro rural. Ele é tão importante que em todos os países desenvolvidos existe o seguro, pois ele é a base do crédito, só vai ter crédito quem tiver o seguro rural. Por outro lado, só vai ter seguro rural quem tem tecnologia adequada. Nenhuma seguradora vai fazer o seguro rural de quem não tiver o uso da tecnologia, então o cara vai perder e não vai colher. Então vai começar com o seguro rural, que vem antes da sua aplicação, à tecnologia de ponta necessária para ser segurado o produtor, e depois o crédito rural. E como a sociedade se garante como todo esse processo? Com preços mínimos, preços de garantia, no mundo inteiro, esse é o quadrilátero que eu imagino para o mundo econômico do agro no futuro.
O que cabe às cooperativas? Primeiro, uma presença muito forte no seguro, além das tecnologias, é necessário um seguro forte, gigantesco, uma empresa de seguro que cubra o Brasil inteiro, dos bancos cooperativos. Hoje é um negócio precário ainda, mesmo com seguradora global juntando com bancos cooperativos de outros países, como na França, Canadá, Alemanha. Então tem que fazer um casamento, uma parceria com bancos cooperativos globais, para ter um seguro rural gigantesco que ofereça aos cooperados a condição do crédito. Então vejo as cooperativas de crédito com um horizonte de serviços muito maior do que é hoje, muito mais sofisticado, mais profissional. Então falei da cooperativa agrícola, de saúde e de crédito, para mostrar que o pós-pandemia, o novo normal, exigirá fundamentalmente gente muito mais bem treinada, capacitada, motivada para que esse novo normal das cooperativas tenha uma permanência de mercado mais sofisticado que haverá no futuro.
BRC – Como avalia a importância das frentes parlamentares do cooperativismo nesse cenário atual?
Quando assumi a presidência da OCB em 2003, havia o compromisso do Tancredo Neves de 1985 que o Sarney deu segmento de fazer assembleias não constituintes. Pedi ao meu consultor jurídico da OCB na época para fazer uma cartilha explicando o que é Constituinte e o que é Constituição, e ele fez uma cartilha bem fácil para compreender. Enviei essa cartilha para todo o Brasil com uma carta minha dizendo: “Presidente da OCB, isso aqui é Constituinte para fazer uma constituição… o que é que você gostaria que tivesse na Constituição?”. Consultei as bases de todas as partes do Brasil, recebemos centenas de propostas e muitas delas mostrando que muitos não tinham entendido a proposta da cartilha. Peguei os documentos e criamos uma comissão jurista, uma de cada região do país, pegamos todas as propostas que vieram e fizemos um projeto com cinco propostas, que enviei as cooperativas estaduais do Brasil, dizendo: “Isso aqui é o resumo do que a base de vocês deseja fazer, então queria que cada OCE fizesse uma assembleia para consolidar essas cinco propostas, e é isso que vamos propor na constituinte”. Diante de todas as assembleias tive o retorno consolidando aqueles cinco princípios e mais alguns ajustes que surgiram ao longo do caminho.
Feito isso, fiz uma carta de presidente da OCB para todos os partidos políticos em todos os estados, dizendo o seguinte: “Isso aqui é o que as cooperativas querem aprovar na nova constituição pela assembleia constituinte. Então os candidatos, deputado federal e senador, que firmarem um documento prometendo se comprometer com esses cinco princípios aqui terão apoio das cooperativas sob a forma de voto”. Tinha um modelo de cartinha que tinha que assinar, registrar em cartório um compromisso prévio e também dizia na carta que não era qualquer candidato, tinha que ter uma demonstração pregressa de alguma forma de associação socialista. Tivemos bastante candidatos apoiando, 40 deputados e um senador previamente comprometidos com aquele projeto nosso.
O ministro da Agricultura na época era o Iris Rezende, que tinha como grande legado em Goiás o mutirão da casa própria, que é feito lá em vários bairros de casa própria, com um trabalho muito forte trazendo gente para trabalhar. Tive uma conversa com ele. Falei: “Iris, nós dois somos iguais… o mutirão que você desenvolve, que você apoia, é a cooperativa informal, e eu, que sou presidente das cooperativas, faço o mutirão formalizado.” Dito isso, chamamos esses 41 parlamentares ao gabinete do Iris no ministério da Agricultura, ele os acolheu e deu para a OCB o comando da reunião. Então pedi que cada parlamentar trouxesse, em no máximo um mês, mais dois parlamentares. Então em um mês seriam 120 parlamentares e teríamos uma grande frente parlamentar. Em um mês e meio eram 217 parlamentares, incluindo vários senadores, assinados com aqueles cinco compromissos. Isso deu origem à primeira frente parlamentar do cooperativismo, que, ainda no gabinete do Iris, escolheu um deputado, Ivo Vanderlinde, para ser ser seu presidente. E eu trouxe do Rio Grande do Sul o Vergílio Perius (atual presidente do Sistema Ocergs), para ser o meu assessor parlamentar, para o cooperativismo na constituinte. O Ivo Vanderlinde deu a mesa do gabinete dele para o Vergílio Perius trabalhar. Então montei uma frente espetacular, e toda semana as cooperativas, a meu chamamento e do Vergílio, enviavam delegações para Brasília realimentando o processo constituinte. Uma vez por mês oferecia um jantar a um grupo de parlamentares e uma cooperativa de leite do Rio Grande do Sul, por exemplo, ofereceu um relógio de acrílico e naquela parte que tinha o relógio tinha os cinco temas para a gente defender escritos.
Essa frente parlamentar fez um trabalho espetacular e, dos cinco pontos, conseguimos consagrar quatro. Um único não deu porque era um ponto que tinha a ver com ensino do cooperativismo desde o primeiro grau escolar. O presidente da comissão de justiça da constituição era o Michel Temer, que me chamou e falou “ Roberto, isso eu não posso colocar como projeto porque tem a educação no trânsito, a educação sexual, tem tantas que assim o cara vai ficar 50 anos na escola e não vai sair nunca. Então vamos tirar isso aqui e o resto eu aprovo para você”, e assim foi feito, pusemos os quatro artigos na constituição, e um quinto que eu não defendia, mas que foi colocado por uma deputada de Rondônia, que era um apoio aos garimpeiros.
Desde então, a frente parlamentar cooperativa tem tido uma atuação espetacular na constituinte. E foi um trabalho realmente tão espetacular e silencioso. A cooperativa Aurora do Rio Grande do Sul fez uma caixinha com três garrafas de vinho, um tinto, um branco e um rosado. Ao invés do rótulo, tinha os cinco princípios que foram aprovados da constituinte. Foi uma coisa espetacular, portanto, a frente parlamentar tem um papel essencial nos processos de inovação legal que o cooperativismo precisa, e a OCB hoje tem um trabalho muito bem feito junto à frente parlamentar, uma vez por mês realizando um café da manhã com parlamentares e integrantes do cooperativismo, com um grande rol de assuntos a desenvolver.
Em junho de 1989, entreguei no congresso brasileiro um projeto mudando a lei, porque a lei obviamente perdeu o sentido. Antes da constituinte, para criar uma cooperativa tinha que ter uma autorização do governo, a AF (autorização de funcionamento), e o artigo quinto acabou com isso. Então precisava mudar a lei. De 1988 até hoje, essa lei passou por tantos debates e até hoje não foi aprovada. Há um artigo na constituição que o ato cooperativo tem que ter tratamento tributário adequado, só que até hoje não aconteceu nada. O ato cooperativo é a relação entre cooperado e cooperativa, no mundo inteiro é assim, mas aqui ainda se tem dúvida se vai fazer ou não. A frente parlamentar é essencial para esse futuro do novo normal para as cooperativas.
BRC -Além de todas essas atividades, o senhor se tornou o embaixador da FAO (Food and Agriculture Organization). Como está sendo essa atividade?
Isso foi uma decisão tomada pela diretoria geral da FAO em 2012, que foi decretado pela ONU como o ano mundial do cooperativismo. Na ocasião, o diretor geral da FAO escolheu um brasileiro para ser embaixador dela para as cooperativas do mundo inteiro. Por conta disso, andei pelo mundo todo pregando o cooperativismo, seus valores e princípios, as mudanças de leis no mundo todo para facilitar as ações, sem privilégio para ninguém. Foi um trabalho bastante insistente, mas a verdade é que, de uns dois anos para cá, sou muito mais escritor de artigos e textos, e participante de debates do Brasil e do mundo. Tenho uma alegria muito grande, já faz 30 anos que fui presidente da OCB, há 20 anos fui presidente da ACI e, no entanto, graças a Deus, continuo sendo chamado para ir a reuniões sobre cooperativismo, para rever e propor coisas.
BRC – Como está sendo sua participação no projeto do Icao?
Não é uma grande participação, é uma participação secundária. Não fico discutindo temas, digamos, como a gestão tem que ser. Entro em questões mais dialéticas, de conceitos e visão estratégica. Por exemplo, a OCB criou aquele espetacular projeto de premiar cooperativas que tenham feito inovações na área de governança, na ação corporativa, gestão e tal. Faço parte do conselho final que faz sempre o último ajuste de seleção de cooperativas campeãs de cada ano. Isso me dá uma oportunidade muito grande de levar os debates, com esses comitês julgadores, com essas comissões que fazem a avaliação, os conceitos. Porque vem o cara do banco do Brasil, vem o cara do ministério da fazenda, são pessoas de alto nível, mas nem sempre integradas à doutrina, aos princípios cooperativos, então isso me dá uma chance de ajudar muito na definição em relação a qual critério deve ser principal para fazer o julgamento. Sou muito grato a OCB de me dar essa chance, de continuar dentro do processo.
Várias pessoas do Brasil estão escrevendo livros de história sobre cooperativas, e eu tenho sido uma fonte de consulta muito grande. Aliás, a OCB quer escrever a minha biografia, porque consideram que eu, como presidente da OCB, mudei a constituição do Brasil, aqueles cinco artigos mudaram o modelo. De fato, mudou tudo, não por minha causa, mas pela constituinte, eu estava lá no lugar certo e na hora certa, qualquer um faria o que eu fiz, mas enfim, para a minha biografia deixa eu morrer e ai vocês fazem. Há uns três anos eles decidiram fazer e disseram: “Roberto, vamos fazer sua biografia com ou sem a sua contribuição. Aqui na OCB temos material para escrever um livro sobre você, mas se você ajudar é melhor para não falar alguma coisa que não é verdade, exatamente daquele jeito que aconteceu”. Tenho uma coisa engraçada comigo. Eu escrevo cinco artigos por mês, mas, depois de publicados, nunca leio porque eu vou achar defeito. Nada que fale sobre mim eu leio.
BRC – O senhor acredita que falta divulgação do cooperativismo, que precisa ser mais agressivo e mostrar mais sua cara?
Sim, o cooperativismo e a agricultura. Participei de uma reunião em que foi falado uma coisa tão óbvia que até impressiona: “Vocês, agricultores brasileiros, têm o melhor produto para vender do mundo inteiro, não tem produto melhor do que o de vocês. Sustentável, produtivo, tecnificado, democrático, um cooperativismo forte e vocês não são capazes de vender isso? Tem um produto tão bom para vender e não vendem adequadamente.” O cooperativismo é a mesma coisa, algo espetacular e acho que agora, com esse novo normal, o cooperativismo, com toda as demandas que vêm pela frente, que virão como horizonte, realmente exigirá uma postura mais ofensiva na nossa comunicação.
A OCB faz isso, a cooperativa Aurora contratou o Guga para fazer uma campanha, e eu acho que é isso que tem que fazer, publicidade no cooperativismo trazendo quem o povo quer ouvir, quem o povo gosta de ouvir. Não adianta você contratar um artista que mete o pau na agricultura cooperativista, tem que trazer os caras e mostrar o que é a verdade, mostrar o que a cooperativa brasileira tem feito nos últimos anos, que é espetacular! O trabalho da OCB é impressionante, hoje as cooperativas agropecuárias do Brasil já respondem por 50% da safra brasileira, é sensacional! E ninguém no Brasil sabe disso. A comunicação é algo que deve ser feito muito mais profissional e objetivamente.