O presidente da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), o argentino Ariel Guarco, falou com exclusividade à revista BR Cooperativo sobre suas expectativas para o cooperativismo com o pós-pandemia, o cenário que as cooperativas deverão encontrar em todo o mundo e como acredita que será o novo normal para o cooperativismo. Confira a seguir.
BRC- Que cenário as cooperativas deverão encontrar após esse longo período de pandemia e isolamento social?
O cenário mundial é muito complexo para todos, até para as cooperativas. Sabemos que as economias estão sendo duramente atingidas e que a recuperação ainda é incerta, porque a pandemia não está totalmente controlada. Sabemos também que, apesar das dificuldades, nos últimos meses as cooperativas têm dado respostas aos seus associados, continuam a trabalhar junto à sua comunidade, com os cuidados necessários. A aparência do cenário pós-pandêmico depende do que fazemos agora para consolidar um paradigma cooperativo em escala global. Paradigma que conhecemos bem porque há 175 anos demonstramos a resiliência e a sustentabilidade deste modelo de negócio baseado em valores e princípios cooperativos. Um modelo enraizado nos territórios, comprometido com a paz, a democracia, a inclusão social e o cuidado com o meio ambiente. Um modelo que, baseado nestes valores e princípios, é capaz de impulsionar o crescimento das economias locais e dar grandes contribuições para a geração de riqueza em cada nação, em cada região e no mundo inteiro. A economia cooperativa, em escala global, integra mais de um bilhão de membros e gera empregos para 10% da população ocupada mundial. O faturamento das 300 maiores cooperativas é comparável ao Produto Interno Bruto da sexta economia mundial.
BRC- Qual será o novo normal para o cooperativismo?
Acho que todos estamos aprendendo muito com essa pandemia. Aprendizados relacionados à maneira como os seres humanos se relacionam e como nos relacionamos com a Mãe Terra. Para falar a verdade, não tivemos que nos surpreender com uma pandemia para perceber que é preciso construir modelos sociais e econômicos mais justos, baseados na ajuda mútua e na cooperação. Nem precisamos ser forçados a interromper quase todas as nossas atividades para perceber como a Natureza é capaz de mostrar todo o seu brilho se pararmos de atacá-la por um momento. Porém, nos encontramos nesta situação crítica e, se queremos sair dela melhor do que entramos, temos que apostar sim ou sim no paradigma cooperativo. Acredito que, em um novo cenário pós-pandêmico, as cooperativas devem ser atores-chave na recuperação das economias nos níveis local, nacional, regional e global, sem deixar ninguém para trás.
BRC- Como as cooperativas devem se preparar para enfrentar este novo tempo?
O cooperativismo é um espelho onde a humanidade pode se ver e projetar este novo horizonte. É uma ferramenta que deve estar mais do que nunca ao serviço de todos aqueles que partilham a convicção de que, nos momentos mais difíceis, ninguém se salva sozinho. Nossa responsabilidade neste momento é ajudar nossas comunidades a valorizar os valores e princípios de cooperação para construir juntos uma economia com raízes, democrática, inclusiva e comprometida com a paz. Para isso, temos que estar dispostos a sair de nossa zona de conforto. Quer dizer, devemos convocar nossos associados para que participem ativamente desse desenvolvimento dentro de nossas organizações, para que saiam fortalecidos para encontrar outros atores com os quais possamos avançar no cumprimento dos objetivos do desenvolvimento sustentável. Devemos abrir as portas especialmente aos jovens, que podem encontrar nas nossas empresas um espaço onde se possam realizar pessoal e profissionalmente, e nos ajudar a crescer junto com as novas tecnologias de informação. Devemos trabalhar para que haja igualdade de gênero em nossas organizações. Devemos tomar ações claras em defesa do planeta. E devemos ser pilares firmes da paz positiva, aquela paz que não significa mera ausência de violência, mas é o produto da solidariedade e das relações sociais e econômicas inclusivas, relações orientadas para o bem comum e a plena realização de cada um na comunidade.
BRC- O que cada ramo cooperativo deve esperar em sua área de atividade?
Em todos os ramos da economia temos ampla experiência para mostrar que por meio da ajuda mútua e da cooperação é possível produzir e consumir, economizar e dar crédito, construir casas, educar, cuidar da saúde e tantas outras atividades essenciais para a vida das pessoas. . Fazemo-lo com eficiência e solidariedade, combinando no nosso modelo de negócio os fatores que contribuem para o crescimento económico, bem como os elementos característicos da responsabilidade social. Nesse cenário complexo que vivemos em escala global, será prioritário para cada comunidade ter organizações próprias que as ajudem a atender às suas demandas em cada uma dessas áreas.
BRC- Sua mensagem para o público cooperativo para este novo momento.
Esta crise nos apresenta desafios históricos. O maior de tudo é entender que ninguém é salvo sozinho de uma pandemia global como a Covid-19, mas, mais ainda, que ninguém pode ser salvo sozinho de um destino errante para o qual estamos indo como uma civilização global. A solidariedade serve para produzir riquezas, inovar e atender às necessidades de nossos povos, respeitando o meio ambiente. As cooperativas demonstram isso há décadas, na indústria e serviços, produção agrícola, habitat, saúde e educação, entre outras esferas. Os modelos de globalização impostos nas últimas décadas estão se desfazendo, nacionalismos xenófobos se desnudam na incapacidade de dar respostas e o sistema financeiro, mais uma vez, estala. Nós, que construímos diariamente uma economia baseada na democracia, na solidariedade e na justiça social, sabemos que é possível gerar desenvolvimento com inclusão social e cuidado com o meio ambiente. Muitos líderes globais compartilham essa visão. É por isso que prevejo, apesar da dor e da incerteza que enfrentamos hoje, que seremos capazes de forjar uma nova era global, um destino comum com valores e princípios cooperativos.