As biorrefinarias são unidades industriais que possuem uma matriz produtiva de
características biológicas que, vinculadas a um sistema integrado de produção
sustentável, geram energia mais limpa por meio da produção de biogás, biocombustível
e outras fontes de energia renováveis.
Outro aspecto importante, é que essas bioindústrias produzem também insumos de alto
valor agregado para as indústrias química, farmacêutica, alimentícia, cosméticas e
outras, a exemplo de enzimas, anticorpos monoclonais, compostos enantiomericamente
puros, nanocompósitos e compostos fenólicos, considerados bioquímicos finos,
comercializados em diversos países, por desempenharem funções essenciais na saúde,
beleza e estética humana devido às diversas propriedades, entre elas as antioxidantes e
anti-inflamatórias, que contribuem para o combate a doenças de pele, cardíacas e
inflamações, entre outras.
Essas unidades industriais citadas anteriormente podem ser classificadas como de
pequena, média e grande escala, dependendo da quantidade de matéria-prima a ser
processada e do volume do produto. Os parâmetros de projeto para biorrefinarias de
pequena escala podem incluir capacidade de processamento, tipo de tecnologia, nível de
prontidão tecnológica, produto principal e produtos intermediários.
As vantagens das biorrefinarias de pequena escala estão relacionadas às baixas despesas
operacionais e de capital, pois as matérias-primas podem estar localizadas mais
próximas das instalações de processamento; aumento das receitas para pequenos
produtores locais, uma vez que os múltiplos compostos bioativos e produtos de valor
agregado obtidos podem ser comercializados para diversos tipos de indústrias, com
valores superiores aos produtos in natura, comumente presentes neste segmento;
redução de impactos sociais negativos em comunidades rurais, como insegurança
alimentar e deslocamento de famílias; e aumento de empregos locais.
Ressalta-se que as tecnologias disponíveis para a operação dessas pequenas unidades
podem ser mais baratas e, portanto, mais acessíveis aos agricultores familiares e suas
cooperativas, que por sua vez podem produzir e processar matérias-primas ao mesmo
tempo, gerando maiores capacidades produtivas para as comunidades, superando o
estágio da produção sem processamento. Adicionalmente, essas unidades estão
alinhadas com os objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pelas
Nações Unidas. Sobretudo os ODS 7, 8, 12 e 13, que abordam temas como Energia
Acessível e Limpa, Trabalho Decente e Crescimento Econômico, Consumo e Produção
Sustentáveis e Ação Contra a Mudança Climática Global.
Para uma produção agroindustrial no Brasil, baseada em processos biológicos, como
mecanismos de tornar os territórios sustentáveis e inclusivos, é necessário foco na
agricultura familiar e na economia solidária, bem como investimentos públicos em
pesquisa e inovação que promovam a valorização de matérias-primas, a partir da
extração de compostos bioativos. Essas ações governamentais devem considerar o
grande potencial de biomassa que o Brasil produz (cascas, farelos, folhas, sementes e
etc.), sejam agrícolas, agroindustriais ou florestais, pois o país precisa caminhar para a
construção de ações eficientes de apoio ao desenvolvimento de uma bioeconomia, que
mantenham as florestas em pé, e particularmente focadas em aumentar a
competitividade econômica e o desenvolvimento tecnológico dos diversos atores
presentes nos territórios rurais brasileiros.
É importante destacar que a indústria farmacêutica é uma das mais promissoras para
uma bioeconomia que considere a agricultura familiar em sua estratégia, uma vez que
necessita de um fluxo contínuo de novos produtos (que possibilitem salvar vidas e
ajudem a melhorar o bem-estar das populações) oriundos de diferentes fontes de
biomassa. Da casca e do caule da banana, por exemplo, é possível extrair pectina, ácido
succínico, fitoesteróis, antocianinas, ácido ascórbico e outros compostos, que possuem
propriedades anti-inflamatórias, anticolesterol, antioxidantes, antibacterianas e
anticancerígenas. Adicionalmente, a indústria farmacêutica gera bilhões de dólares
anualmente, abrindo inúmeras oportunidades de negócios ao longo das cadeias de
valor.
O governo brasileiro instituiu a NIB – Nova Indústria Brasil, cujas metas estipuladas
para o complexo industrial da saúde indicam que 70% dos medicamentos, vacinas, e os
mais diversos insumos demandados pelo SUS – Sistema Único de Saúde, devem ser
produzidos no país até 2033, alçando até 50% dessa produção em 2026.
Diante da situação apresentada, é possível insinuar que políticas públicas que valorizem
a conversão de biomassa por meio da implantação de biorrefinarias em pequena escala,
podem tornar os territórios rurais brasileiros em polos de atração para as indústrias que
demandam insumos de alto de valor agregado, principalmente a farmacêutica, além de
gerar impactos positivos para as diversas comunidades, implementando um mercado
territorialmente sustentável e inclusivo, a partir do envolvimento consistente dos
principais stakeholders do setor.
Uma experiência de estímulo importante ao desenvolvimento territorial sustentável, que
visa o fortalecimento de uma indústria biológica a partir da agricultura familiar e suas
organizações populares, foi a chamada pública 01/2024 (Cadeias Socioprodutivas da
Agricultura Familiar e Sistemas Agroalimentares Sustentáveis: Desenvolvimento e
Fortalecimento de Cadeias Socioprodutivas da Bioeconomia e da Agricultura Familiar
Agroecológica para Instituições de Ciência e Tecnologia – ICTs) do Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
A iniciativa do MCTI disponibilizou recursos na ordem de R$ 134.2 milhões de reais
(cento e trinta e quatro milhões e duzentos mil reais) não reembolsáveis para apoiar
projetos de ICTs em parceria com cooperativas e ou associações da agricultura familiar,
que promovam soluções aos desafios científicos e tecnológicos enfrentados na
estruturação e fortalecimento de cadeias socioprodutivas imbricadas com a
biodiversidade brasileira. Portanto, estimular arranjos de cooperação sustentáveis, sejam
local, regional e nacional a partir da agricultura familiar.
O chamamento público em questão foi considerado uma iniciativa importante no âmbito
do MCTI e entre o público alvo, pela temática e, por promover uma inovação
significativa em seu escopo, uma vez que permitiu a junção de organizações
camponeses, por meio de suas cooperativas e associações, com as instituições
científicas, a exemplo das Universidades, Institutos Federais e Centros de Pesquisa, bem
como utilizou o conceito de Fábricas de Inovação Solidária, a partir de uma adaptação
da nomenclatura “biorrefinarias de pequena escala”, como forma de se aproximar cada
vez mais das ideias de uma ciência e de um desenvolvimento tecnológico, relacionado
também com o cooperativismo e com a economia solidária, que são instrumentos
peculiares e importantes de organização da produção dos agricultores familiares em
todo o mundo.
Após a finalização da seleção, a comissão do edital recomendou a contratação de 41
projetos contemplando todas as regiões do país, perfazendo um total, em termos de
valores financeiros, de R$ 140,5 milhões de reais, este último, superior ao destinado
inicialmente na proposta. Isso nos fazer deduzir que a iniciativa foi um sucesso, no
entanto, existe ainda uma demanda significativa a ser atendida.
É salutar evidenciar que tal iniciativa somente foi possível graças à visão estratégica do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em orientar a implementação de políticas
públicas a partir de missões que promovam a sustentabilidade, geração de riqueza e o
bem-estar das populações mais vulneráveis.
Nesse sentido, empoderar os agricultores familiares e suas organizações populares a
desenvolverem soluções consistentes e inovadoras, como implantação de biorrefinarias
de pequena escala, por meio do fomento público, são essenciais para ampliação das
capacidades produtivas e estratégicas do país, bem como para construirmos uma nação
mais soberana, e com mais dignidade para os camponeses que formam os territórios
rurais brasileiros, tornando esses espaços geográficos em inclusivos e sustentáveis.