A pesca comercial no Brasil é feita “no escuro”. Dados da A 2ª edição da Auditoria da Pesca 2021, divulgada nesta quarta-feira (23) pela Oceana Brasil revelam que a gestão da atividade no país não avança desde o final de 2020. Analistas defendem modernização da Lei da Pesca no Brasil (Lei Federal 11.959/2009) e o gerenciamento da produção pesqueira para que o país alcance a segunda meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030: erradicar a fome.
A Oceana é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, focada na preservação dos oceanos e atua no Brasil desde 2014. Segundo seus dados, o Brasil tem quase um milhão de pescadores e pescadoras artesanais sem a atenção devida pelos órgãos públicos.
Entretanto, o diretor científico da organização, o oceanógrafo Martin Dias, alerta para a urgência da adoção de estratégias efetivas para a gestão e o controle da pesca no Brasil. “A lei brasileira permite que a pesca opere completamente no escuro. Com pouco monitoramento e regras defasadas.”
Do mesmo modo, Gustavo Chianca, representante adjunto da FAO no Brasil, acha que os desafios relacionados à segurança alimentar são complexos. A ONU estima que população mundial será de 10 bilhões em 2050. Ou seja, o problema é bem maior se pensarmos que haverá aumento da fome e das questões relacionadas à má nutrição e doenças relacionadas à alimentação não saudável. “É preciso que haja redução de desperdício de alimentos e que se tome muito cuidado com o uso sustentável para evitar o esgotamento dos recursos naturais”, salienta.
Pesca comercial no Brasil
Dados sobre a atividade não são conhecidos no Brasil. Atualmente, o que se sabe é que das 117 espécies exploradas pela pesca comercial marinha no país, apenas oito possuem sua situação conhecida. Outra constatação alarmante é que somente 9% das espécies que são capturadas comercialmente no Brasil possuem planos de gestão – o que evidencia que a atividade acontece sem um mínimo de planejamento e sujeita a medidas isoladas.
Dessa forma, esses dados revelam que o Brasil está pescando no escuro. Mas esta constatação não é nova.
Em suma, para realizar este amplo diagnóstico sobre a realidade da pesca no Brasil, a Auditoria produzida pela Oceana, se fundamenta na ciência, e utiliza 22 indicadores, divididos em quatro categorias: Política Pesqueira; Transparência; Estoques Pesqueiros; e Pescarias.
“Isso é importante para conseguir medir tendências: estamos evoluindo ou estamos regredindo? Essa é a ideia central da Auditoria e seus apontamentos mostram, de forma direta, se um gestor público teve um desempenho bom ou não”, analisa Martin Dias, que coordenou a pesquisa.
Dentre muitos outros dados, a pesquisa revelou que não existem dados sobre a situação da população de 93% das espécies marinhas (como peixes e crustáceos, por exemplo) exploradas comercialmente no Brasil. Isto é, não se avalia se as espécies são exploradas de forma sustentável.
Participação social e marco legal
Essa situação fragiliza não só a própria continuidade das espécies, mas também as comunidades que dependem da pesca para sobreviver. Um levantamento da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mostrou que uma em cada dez pessoas no mundo estão ligadas à cadeia produtiva da pesca. Globalmente, 492 milhões de pessoas dependem diretamente da pesca artesanal. “Esse setor desempenha um papel essencial na geração de emprego e renda ao mesmo tempo que sustenta culturas. Tem papel fundamental na alimentação saudável e nutritiva”, destaca Gustavo Chianca, representante adjunto da FAO no Brasil.
A FAO estima que, em todo mundo, 156 milhões de toneladas de alimentos aquáticos são destinados ao consumo direto humano. Todavia, isso corresponde a 20,5 kg de pescados por pessoa por ano. Os números apontam para um cenário no qual 4,5 bilhões de pessoas se alimentam regularmente dos “alimentos azuis”, como são chamados os alimentos que têm origem nos ambientes aquáticos, como rios, mares e lagos. Esses alimentos fornecem 15% da proteína animal consumida em nosso planeta.
Fonte: Sofia 2020/FAO – Arte: Joksã Natividade / ABR
Além disso, entre os apontamentos da Auditoria, Martin Dias denuncia que a gestão da atividade pesqueira vem sendo esvaziada nas políticas de governo. Os Comitês de Gestão da Pesca (CPGs) foram extintos em 2019. Somente no mês passado, o governo federal abriu uma chamada pública para sua recomposição.
Contudo, Dias chama atenção para a necessidade de diversificar os representantes da sociedade para que as discussões reflitam as diferentes realidades da pesca. “De uma praia para outra, a atividade de pesca e as tensões podem ser muito diferentes. Essa situação se intensifica bastante em um contexto amplo, considerando a dimensão do Brasil”, observa. Representando a Confrem, Carlinhos diz que não deve fazer parte das novas formações. “O novo modelo não é participativo”, denuncia.
Fonte: Brasil 61